Durante as conversas com os pais ou mesmo as crianças, pode surgir uma pauta que não é incomum: o paciente só gosta de “coisas de menina”. Bom, não importa se essa dúvida vem dos pais ou da percepção do próprio psicólogo. É importante deixar bem claro que não há nenhum problema nisso. Pelo contrário. O profissional deve buscar ajudar o paciente a entender sua própria identidade.
É justamente pela frequência dessas questões na terapia, como nos relatos dos pais, que surge a necessidade de discutir o tema. Devemos estar atentos para não reproduzir nenhum tipo de preconceito e, principalmente, tornar o espaço da psicologia acolhedor e responsável.
Coisas de meninas ou meninas: realmente existem?
Antes de mais nada, é importante entender que a própria definição de que uma brincadeira, uma atividade, uma roupa, uma cor ou um brinquedo estejam associadas a um gênero é bastante questionável. Esse tipo de convenção está associada a construções sociais. Afinal, nenhuma criança nasce sabendo que “o azul é uma cor de meninos e o rosa é uma cor de meninas.” (o que não é ok? Cores são de todos que gostam de cores)
Esse tipo de definição é transmitida através de gerações pelos diversos núcleos sociais. As crianças, é claro, estão inseridas neles. Seja nas próprias famílias ou nas escolas, as crianças podem começar a reproduzir isso de alguma forma. Muitos meninos podem achar que chorar é uma expressão de fraqueza, enquanto meninas podem pensar que devem demonstrar mais sensibilidade.
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Mas nada disso é regra. As crianças não têm propensões naturais de comportamento como essas associadas aos seus gêneros. Ao associar esses estereótipos de masculinidade ou feminilidade, os adultos podem impactar o próprio descobrimento da criança em relação à sua personalidade e expressão.
E se os pais estão preocupados com isso, não deixe de aconselhá-los. Sem nunca esquecer que eles também foram formados em meio a esses estereótipos, explique que não há nada de errado se um filho homem gosta de fazer as tais “coisas de menina”. E o contrário também é verdadeiro. Ao desincentivar meninas a fazer atividades que são associadas socialmente a meninos, elas podem ter expressões e potencialidades individuais reprimidas. Por exemplo, temos ótimas jogadoras de futebol mulheres, lutadoras de karatê e boxe, assim como temos ótimos homens na cozinha e ginástica olímpica, por exemplo. São as construções sociais de senso comum de que “homem gosta de futebol” e “menina gosta de casinha” que impedem as crianças de realmente se conectarem com o que mais gostam de fazer e mostrarem o seu potencial alinhado com a sua motivação.
Uma boa forma de tentar contornar essa situação é dizendo para que os pais incentivem diversos tipos de atividade, desde o lazer até o dia a dia. Lavar a louça e ajudar nas tarefas domésticas não é uma coisa exclusiva das meninas, assim como danças e ginástica. Por outro lado, matemática e futebol não são atividades de interesse exclusivo dos meninos.
As crianças devem ser livres para explorar o que gostam e se motivam nas brincadeiras. Tarefas de casa são obrigações e responsabilidades de TODOS que moram na casa, independente de serem homens ou mulheres, um dia todos irão ter a sua própria casa e precisam saber cuidar dela, cozinhar, limpar, etc.
Coisas de meninas? Fique atento ao que a criança sente sobre seu corpo
Quando o tema da percepção de gênero chega na clínica, é importante também começar a direcionar a escuta para esse tema. Como a criança se percebe? Ela se identifica mais com meninas ou com meninos no convívio social? Esses são bons questionamentos a se fazer. É claro, sem forçar a barra.
Pergunte ao paciente como ele se observa em relação aos colegas de escola. Uma boa ideia é questionar como ele se vê quando comparado aos amigos, se mais parecido com os meninos ou com as meninas. Estimule que a criança expresse, de diversas formas, a imagem que tem de si mesma.
É nesse momento em que o acolhimento e a validação do sentimento devem estar presentes. Não é papel do psicólogo dizer como a criança deve se sentir, e sim estimular que ela mesma entenda o próprio sentimento. Para isso, é possível desenvolver vários tipos de atividade.
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Uma ideia é fazer atividades com desenho. Coloque uma folha sulfite e canetinhas ou lápis à disposição da criança e estimule que ela expresse, por meio do desenho, como se sente. Diga para que ela desenhe como gostaria de se vestir, desenhe seu grupo de colegas da escola com ela mesma inclusa ou mesmo objetos que ela ache que possam expressar a própria personalidade.
Também é possível exibir frases e recortes de revistas a fim de entender melhor como aquela criança se identifica e se expressa. Essa exposição de estímulos, quando feita com critério para avaliação psicológica, pode ajudar, de forma lúdica, a criança a se expressar melhor.
Outra boa ideia é apresentar imagens de outras crianças. Faça uma busca no Google e mostre crianças e outras pessoas de diferentes fenótipos. Então, peça que ela conte quais são aquelas com quem ela mais se identifica. Naturalmente, nada disso dará uma resposta definitiva, mas ajudará na compreensão do caso e da própria criança em como ela se enxerga.
Vale lembrar sempre que gostar de “coisas de menina” ou “coisas de menino”, como parte de uma construção social, não quer dizer que a criança tenha uma identidade de gênero que não seja a mesma do seu sexo biológico. Afinal, como dissemos, nenhum interesse individual tem um significado intrínseco. São construções sociais. E aí também entra a sensibilidade do psicólogo em, de fato, ser capaz de entender e ouvir a percepção da criança.
Cuidado na avaliação
Como já ficou evidente até aqui, não é possível tomar nenhuma avaliação precipitada. Contudo, juntando todas as possibilidades listadas aqui, bem como avaliações clínicas da sua escolha, e sempre considerando a particularidade de cada caso, é possível chegar em uma definição do caso que auxilie o paciente e contribua para o seu bem-estar.
A partir dessa avaliação, é possível desenvolver estratégias em conjunto com a família da criança e a escola. Novamente, porque nunca é demais reforçar: as tais “coisas de menina” e “coisas de menino” não servem como critério definitivo de identidade de gênero ou sexualidade. Apenas o paciente expressará isso. Não force nada, apenas estimule que a criança diga como se sente em relação a si mesma.
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E é claro, se você tem alguma dúvida, é sempre interessante buscar pelas referências bibliográficas que você teve durante a sua graduação, bem como leituras complementares e cursos. Essa discussão é importante e muito atual, então a atualização sempre é bem-vinda.
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