Existe autismo virtual?

Existe autismo virtual?
Paulinha Psico Infantil

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Olá, sou a Paulinha, psicóloga infantil com foco em transtornos do neurodesenvolvimento. Crio conteúdos na internet desde 2015 e ajudo milhares de mães e outras profissionais da área todos os dias aqui e em minhas redes sociais.

Muito se tem falado sobre o tal autismo virtual, um fator que seria o responsável pelo grande aumento nos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) pelo mundo. Mas do que se trata esse “novo autismo”? Ele de fato existe? Para entender melhor, precisamos primeiro analisar o que é o TEA e quais são suas possíveis causas. 

Mas o que é autismo?

Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico para Transtornos Mentais), organizado pela APA (Associação Americana de Psiquiatria), “as características essenciais do Transtorno do Espectro Autista são prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário”. Ou seja, o diagnóstico do autismo requer necessariamente esses três fatores apontados no DSM-5; essa informação será importante para entender se existe o autismo virtual.

E o que causa esse transtorno?

E o que causa esse transtorno?

Você já pode ter ouvido falar que as causas do autismo são desconhecidas, que muitos elementos diferentes podem influenciar no aparecimento do transtorno. De fato, o TEA é considerado como uma condição causada por meio biopsicossocial, que quer dizer, como o nome indica, que pode surgir por motivos biológicos, psicológicos e sociais. 

Apesar disso, um estudo de 2019 aponta que houve uma média de 80% de herdabilidade do transtorno, de um total de mais de 2 milhões de indivíduos, dos quais 22.156 foram diagnosticados com autismo. O estudo ressalta que houve diferença entre os países estudados, mas que ainda assim o resultado aponta para uma influência grandiosa da genética nos casos de TEA. Esse estudo foi importante por reforçar conclusões de artigos mais antigos, que também apontaram causas genéticas como predominantes em relação às outras. 


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Uma explicação didática

Existe um método para entender melhor como funciona a conjunção de fatores que causam o TEA, e esse método é chamado de “modelo do copo”. Nele, utiliza-se as imagens de dois copos que representam os pais e alguns copos representando seus filhos. A primeira característica importante de ressaltar é que os copos que representam pessoas do sexo masculino são menores do que aqueles que representam o sexo feminino, devido à conhecida diferença na proporção de casos entre homens e mulheres (onde os casos de autismo são quatro vezes maiores nos meninos). 

Os “copos pais”, então, são representados contendo algumas bolinhas, que podem ser de três tipos: as que seriam variantes genéticas raras que podem levar o filho a nascer  com TEA, as variantes genéticas comuns e as que representam fatores ambientais. Todos esses elementos podem ou não passar para os filhos. As bolinhas têm tamanhos desiguais para sinalizar a diferença da influência exercida por esses fatores. Assim, as variantes raras são bolinhas bem grandes, as variantes comuns são bolinhas médias e os fatores ambientais são bolinhas pequenas. A junção dessas bolinhas no copo determina se ele transborda ou não. Caso transborde, a criança tem autismo, caso não transborde, não tem. 

Existe autismo virtual?
(imagem adaptada: Priscylla Kamin)

Outra informação importante que esse modelo ajuda a entender é que quando se tem um filho com autismo, os riscos de que o próximo também tenha são alterados, especialmente quando o primeiro filho com o transtorno é uma menina. Neste caso, o risco de que futuros filhos meninos tenham o TEA é maior. No vídeo a seguir, Graciela Pignatari, bióloga mestra em biologia molecular, explica bem como se chega a essas conclusões: 

E de onde veio o “autismo virtual”?

Tendo considerado com certa profundidade todo o quadro complexo do TEA, podemos agora investigar com mais clareza a questão do dito autismo virtual

Vamos analisar uma sequência de como essa história se desenrolou. Existem muitas pesquisas e estudos que buscam esclarecer o motivo do grande aumento de diagnósticos do TEA nos últimos anos, sendo que alguns estudiosos sugerem que a melhoria das técnicas para identificar o transtorno foi o que levou a este quadro (ou seja, antes ainda existiam muitas pessoas autistas, mas estas não eram diagnosticadas). Esse é um dos motivos pelos quais é importante buscar testes genéticos para auxiliar no diagnóstico do TEA, que em última instância é sempre clínico, como recomendado pelo DSM-5.

Já em um estudo de 2018, os cientistas sugeriram que parte da causa desse grande aumento poderiam ser erros de diagnóstico. Os autores apontam que, nos últimos anos, a longa exposição de crianças e até bebês às telas têm gerado distúrbios e sintomas que se assemelham aos das crianças com TEA. Também em 2018, foi publicado um estudo de Marius Teodor Zamfir, um romeno que estudou os efeitos do uso prolongado de aparelhos eletrônicos em crianças que já apresentavam o Transtorno do Espectro Autista, constatou que os sintomas apareciam antes e com maior intensidade nas crianças que passavam mais de 4 horas por dia em frente às telas. Foi neste estudo que apareceu pela primeira vez o termo “autismo virtual”. 

Então existe ou não o autismo virtual?

Então existe ou não o autismo virtual?

O que aconteceu depois da publicação do estudo romeno foi que vários portais de notícias e blogs confundiram tudo e passaram a usar o termo “autismo virtual” para sugerir ou até mesmo afirmar que o uso prolongado de celulares, computadores, televisões ou qualquer outro aparelho eletrônico por crianças poderia causar um novo tipo de autismo. Isto é impossível, como podemos ver nas indicações diagnósticas apresentadas pelo DSM-5. 

A ideia de autismo virtual como um novo tipo de TEA causada por exposição às telas vai contra a maioria dos pontos que definem o transtorno real: não há prejuízo persistente nas interações sociais e na comunicação social recíproca, uma vez que os sintomas causados nos casos das crianças que não estão no espectro desaparecem em poucos meses, quando forçados a mudar de hábitos; e, principalmente, esses sintomas não estão presentes desde o nascimento, eles são adquiridos devido aos hábitos aos quais a criança é introduzida. 

Em resumo, o autismo virtual é um termo criado originalmente para se referir às crianças que de fato já estavam no TEA, independentemente da exposição aos aparelhos eletrônicos. O uso indiscriminado do termo para sugerir um novo tipo de autismo está errado e pode gerar confusão e um esvaziamento no sentido real do Transtorno do Espectro Autista. Não existe este “autismo virtual” que se ouve por aí. É importante lembrar que o diagnóstico do autismo é clínico, feito por profissionais que analisam o quadro todo da criança, e que podem contar com o grande auxílio dos exames genéticos. 


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